O casal Cláudia e Carlos João encontra-se actualmente na Argentina. Aquilo que era para ter sido uma experiência de apenas um ano, veio a prolongar-se um pouco mais, fruto da necessidade daquele país. Imbuídos no espírito de servir e de amar o próximo, este casal tem feito sucesso naquele país latino. Numa entrevista feita on-line (através da Internet) conseguimos saber aquilo que os levou a partir em missão para Argentina.
O que é que vos levou a “embarcar” nesta aventura?
Nós somos um casal missionário dos Servidores do Evangelho da Misericórdia de Deus, comunidade que está presente em Coimbra desde 2002, à qual pertencem missionários (sacerdotes ou não), missionárias, casais missionários e leigos. Estamos aqui na Argentina desde Agosto de 2006, com os nossos 3 filhos (o João Samuel e o Daniel com 4 anos e o Pedro com 2 anos) e a nossa vinda não resultou de um impulso ou de uma decisão de momento; foi um caminho de discernimento comunitário que procurou acompanhar aquilo que nós intuíamos como chamamento de Deus. Este discernimento não é mais do que, através da oração e da partilha em comunidade, a procura séria da vontade de Deus para as nossas vidas. A certeza de que é a Ele a quem estamos a responder, nos levou, e leva a cada dia, a avançar, confiando na Sua Palavra e Providência, pois quem confiou em Deus e foi defraudado? Foi (é) uma aventura que está assegurada, não por seguros humanos, mas pela mão d’Aquele que nos envia, sustém e acompanha quotidianamente.O nosso desejo era de poder ter um tempo – que inicialmente era para ser um ano, mas que já se estendeu um pouco mais – de mais formação, como base da nossa vida missionária. Viemos para a Argentina porque é aqui que está todo o grupo de missionárias/os em formação, aos quais nos juntámos no estudo da teologia. Reconhecíamos também a riqueza de poder conhecer a realidade da Igreja na América Latina, onde nunca tínhamos estado e de que tanto se fala na Europa.
É normal existirem casais que se dediquem ao voluntariado?
Nós não entendemos a nossa missão como o que habitualmente chamamos voluntariado – um tempo na vida em que nos dedicamos a realidades de pobreza, ou em ajudar situações mais difíceis. Para nós este tempo aqui na Argentina não é um “parêntesis” na nossa vida. Nós somos missionários, aqui, aí, ou onde quer que Deus nos envie; nas situações mais quotidianas e naquelas, muito menos habituais, que são extraordinárias. Aliás esta é a verdade de cada baptizado: sacerdote, profeta e rei, sempre e onde quer que esteja, dignidade que é Cristo quem dá, não é por méritos ou qualidades próprios. Levamos este tesouro em recipientes de barro, para mostrar que este poder é de Deus e não nosso. Integrados na nossa comunidade daqui, presente em 4 dioceses com cerca de 60 missionários e missionárias, tentamos colaborar na missão da Igreja Argentina, apoiando na formação de cristãos que possam ser fermento de comunhão nas paróquias e dioceses em que estão.
Argentina é terra de missão?
A missão da Igreja, de cada cristão, não depende do país onde está – como dizíamos antes somos missionários onde quer que estejamos. Assim, não há nenhuma terra que não seja de missão.Sempre ouvimos falar que a América Latina tem o maior número de católicos, que aqui as pessoas têm muita fé, em particular fé em Maria, mãe de Jesus e nossa mãe. Isso é verdade. É de facto uma vivência de fé bastante diferente da que nós temos aí na Europa. É para nós um grande contágio a fé simples de pessoas que sofreram e sofrem com tantas injustiças, a docilidade a Deus e capacidade de conversão de corações que se sabem necessitados de Deus para poderem viver em paz, a procura constante em Deus e em Maria da força, do ânimo e da esperança necessários para cada novo dia.Mas isto não quer dizer que tudo esteja bem. Há muito trabalho a fazer no acompanhamento dos jovens e das famílias. A realidade familiar aqui na Argentina, ainda que diferente da realidade de Portugal, é bastante semelhante na necessidade de anunciar a fé e de formação. Constatamos que a vocação ao matrimónio necessita pelo menos tanta formação, de fé e de vida, como as demais vocações e que devemos apostar nela se queremos que as famílias sejam “fermento no meio da massa”. Aqui na Argentina a família mantém muito fortes os laços avós-pais-filhos, sendo muito normal encontros ao domingo de toda a família para o tradicional assado. Também nos espanta ver os parques cheios de famílias, sentados na relva a tomar “mate” (bebida típica), a conversar, nas tardes de domingo. Mas também se encontram muitas realidades de ruptura, segundas uniões, gravidez na adolescência. Numa sociedade que quer desenvolver-se e que procura na Europa e na América do Norte os modelos, a nossa missão é anunciar a Cristo como Aquele que realmente sustém e orienta uma vida, uma família, que só a partir do encontro pessoal com Ele se pode transformar a realidade.
O que fazem concretamente no vosso dia-a-dia?
O nosso dia a dia não é muito diferente da maioria das famílias. Durante a semana levantamo-nos cerca das 7h da manhã. Por volta das 8h já estamos a deixar os filhos no jardim-de-infância (a cerca de 30 minutos de carro) que fica mesmo ao lado, onde nós temos aulas. Até às 10h temos tempo de oração, e depois aulas são até às 13:30. Depois regressámos a casa, e a tarde é preenchida com estudo ou apostolado: escolas de oração, revisões de vida, acompanhamento de casais ou namorados. Isto tudo, claro está, não esquecendo a missão importantíssima que é ser pais a tempo inteiro. Os nossos filhos estão sempre connosco, excepto no tempo que estão no jardim-de-infância (das 8h-12h), pelo que nem sempre estamos os dois em tudo.Todas as segundas-feiras são dias de encontro e oração para todos os missionários/as que estão aqui no grande Buenos Aires. É um momento muito importante onde vamos fazendo nossa a vida de cada irmão de comunidade e o caminho que se faz em cada pequena comunidade aqui na Argentina. É também um momento de fazer real o caminho em comunhão entre todos.Um fim-de-semana por mês temos um encontro de oração e formação com todas as pessoas das várias dioceses do grande Buenos Aires que caminham com os Servidores do Evangelho. Durante este ano tivemos também 3 fins-de-semana de encontro de casais, que é um tempo de escuta, oração e partilha.
Tem alguma história que mereça um registo?
Histórias temos muitas, mas pensamos que as que são mais importantes são aquelas em que vemos claramente a acção de Deus. Ficou-nos gravado um fim-de-semana de encontro de casais, em que nos deparámos com um grupo de casais em que a maioria vinha em situação de ruptura, sendo esse fim-de-semana a última oportunidade que se davam. Uns vinham já sem aliança, outros já convencidos de que não era possível continuar. Diante dessa situação a única coisa que como comunidade pudemos fazer foi pô-la nas mãos de Deus para que as nossas pobres vidas e testemunho pudessem servir para que Ele transformasse essa realidade. Houve um momento muito bonito, que seguramente ficará gravado em nós e nos casais que aí estavam, em que convidámos a que cada casal se aproximasse da cruz (uma cruz grande que temos numa capela) e que de joelhos diante de Jesus pedisse que Ele renovasse o amor. Cada casal foi fazendo esse gesto simples, cada um demorando o tempo que necessitava... uns pediam perdão mutuamente, outros ficavam em silêncio... A abertura a Cristo, ao Seu amor, deu-lhes força para recomeçar o caminho do matrimónio. Isto é muito bonito porque no próximo domingo teremos um encontro com vários desses casais que estiveram nesse fim de semana e que continuam a querer crescer no amor mútuo, conscientes de que necessitam vitalmente uma experiência de fé viva, vivida em comunidade, e do encontro pessoal com Cristo.
Entrevista publicada por Correio de Coimbra em 30 de Novembro de 2007.
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